terça-feira, 28 de agosto de 2018


Sempre menos.

Mesmo estando acordado há muito, a vibração do celular ao lado da cama, amarrotada pela insônia, despertou Kimu de seus devaneios desalentadores. “Feliz aniversário!” Dizia o nanotexto de felicitações enviadas por mais um alguém que compunha aquela estranha e fria tessitura de relações virtuais inexistentes no mundo tangível.
“É mais um ano de vida!” O estranhamento estalou de súbito na mente cansada, embaralhada e atordoada daquele jovem-mais-velho rapaz. “Essa lógica matemática nunca foi lógica de verdade.” Pensa Kimu, enquanto senta-se no leito mordaz de noites mal dormidas.
Aquele estranho filme cronológico sempre passa pela lente cognitiva dos aniversariantes, é sempre momento oportuno de balanços contábeis de acontecimentos que permeiam o caminhar dos seres pensantes. Quantas coisas boas, quantos sonhos realizados, quanto aprendizado!... Não para Kimu. Simplesmente não havia lógica a que se enaltecer em estar indo de encontro ao fim de tudo, quando se vive, se morre ao mesmo passo, a existência se apaga com as velas que se apaga nos bolos coloridos e adocicados postos às mesas familiares. Kimu celebraria sua vontade expressiva de não estar ali. O abandono e todas as suas experiências que se configuram dolorosas demais para serem dignas de celebração, todo o escárnio e maldade que transpassam corações e almas desavisadas da mesquinhez humana, toda a culpa ingloriosa de ações perdidas e atormentadas, arrependidas ao ponto de fazer a alma sangrar e a consciência gritar o mais assustador dos gritos de socorro. Não há quem ouça. Nunca houve, de fato. E não haverá.
“Parabéns!” Insiste mais um alguém que constitui toda aquela rede de relações enfraquecidas pela falta de verdade, de carinho e de cuidado; vale apenas o protocolo ali preenchido pela função fática da linguagem, apenas para estabelecer um vínculo que é tão frágil quanto os sentimentos desorientados daquele que a lê. O tempo se esvai enquanto o caminhar avança na vida de qualquer um; um dia a mais é um dia a menos de existência, um ano a mais é a aproximação do hálito da figura ceifadora dizimadora de almas inertes que nem sequer estavam atentas para a quantidade enorme de realizações que se perderam no medo da falta de controle, das amarras sociais sufocantes e dilacerantes que aprisionam a glória do combate em detrimento à segurança da vida pautada na comodidade.
“Você quer mesmo fazer isso?” pergunta a voz que vem de debaixo dos lençóis, pacificada pelo silêncio do quarto vazio de som e cores. Vica, a centelha que ainda traz um pouco de luz aos passos lúgubres de Kimu. A voz que o acalma e conforta.
“Sim, coração.” Responde isso com seus dedos trêmulos procurando o cartão do hotel que conseguira na tarde passada e com lágrimas que escorrem de seus olhos cansados pela insônia. “Será meu presente de aniversário.”