quarta-feira, 14 de julho de 2021

 “É que há tantos malvados neste mundo, que nem vale a pena reter aqueles a quem apetece sair dele.”

-Diderot-


"Hoje é o dia." Pensou isso no tom mais melancólico que aquela manhã de fim de inverno podia inspirar.
"O último dia!" Kimu já sabia o que fazer, só estava afirmando para si mesmo, de forma que sua psique não arguisse de maneira alguma, de forma que não encontrasse engodos que o tirasse do rumo já traçado há uma vida inteira e nem engenhasse alguma artimanha de última hora; saudade da mãe na lembrança de seus quinze anos quando ganhou da genitora bondosa o primeiro violão, junto com um livro de acordes e um sorriso embotado de lágrimas...a necessidade do perdão do irmão, com quem já não se dava mais tão bem porque o tempo rui laços e kimu não era um bom marinheiro para dar nós firmes... amigos e amores que deixaria ao léu... "Chega! Hoje é o dia! É meu último dia! Dia de acabar com toda essa merda discutida séculos a fio por filósofos, religiosos, psicólogos e muitos outros boçais, muito bem, obrigado!" Pensou isso fazendo uma reverência irônica no ar, deitado na ampla cama daquele hotel. Ao seu lado, a figura mingnon de uma bela garota esboçava um despertar singelo, e ao acordar não deixou de estampar uma profunda tristeza piedosa por trás daqueles belos olhos negros. Sua mão esquerda recostou suavemente no peito de Kimu em uma última tentativa de amenizar a dor daquela alma repleta de medo, angústia, dúvidas e tristeza sem fim.
"Você não mudou de ideia, não é?" Arrancou as palavras de sua garganta numa voz trêmula, que alude ao choro.
"Então é isso?" Perguntou retoricamente, já sabendo a resposta mesmo que essa rasgasse seu peito como a adaga ritualística do harakiri.
"Coração!" Kimu tentava arrancar de seu âmago um resquício de coragem  para compor suas falas. "Não tenha medo, tudo ficará bem!" Dizia isso sem saber ao certo se ficaria mesmo tudo bem ou não. A morte é algo tão presente e tão distante, tão certa e tão misteriosa, tão bela e tão mordaz, ele realmente não sabia o que aconteceria, mas sabia que, contrariando toda a sua existência imprestável e covarde, não poderia voltar atrás naquele momento. Não. Não no último dia! Vica, num afã de esconder-se da dor que pulsava em seu peito, tentou esconder suas lágrimas e soluços com suas pequenas mãos trêmulas e finas. Alguns fios de seus cabelos negros, ao ombro, caíam em sua boca e rosto e banhavam-se em lágrimas abundantes que cortavam suas maçãs rosadas, num caos belo de se ver.
Kimu puxou-a para seu peito aflito. "Shhhhh! Calma, coração! Está tudo bem! Você sabia que isso iria acontecer. Só me deixe ir. Me deixa partir daqui, não quero mais ficar, tudo é muito ruim e difícil. Não me faça ficar."

Vica explodia em soluços molhados de dor e lágrimas. Era a sua despedida, sua forma de dizer adeus, um adeus que não espera retorno. 
"Um dia me disseram que eu poderia fazer tudo o que eu quisesse. Que eu conseguiria. Nunca consegui de fato nada, nada! Quero que hoje seja a primeira, e consequentemente, a última vez que faço algo por completo e com sucesso." As palavras de Kimu ressoaram em tom solene, quase militar. Vica, afastando seu rosto do peito de Kimu, enxugou suas lágrimas, engoliu os soluços e em tom que muito se aproximava da coragem disse: "Está bem, coração! Está bem!

Vestiram-se.
Tomaram o café no quarto, em silêncio consentido e compartilhado.
Mesmo sabendo que a morte o calaria para sempre Kimu não desejava que suas últimas palavras traíssem seu plano maior, ou envergonhassem sua existência já vergonhosa. Preferiu o silêncio. 

Com a cadeira em frente a janela, Kimu fumou alguns tantos cigarros em silêncio nas duas horas que se seguiram.
Cansado demais, preparou o coquetel que tomaria em seguida.
Deitou-se.
Vica encostou seu corpo no dele e restou sua mão esquerda em sua face. Num beijo suave e quente disse adeus em silêncio.

Kimu sentia a explosão ácida de tantos compostos químicos e farmacológicos dentro de si. Como as paredes de um prédio em demolição, sentiu todas as dores do que é a morte e num lampejo maldisse todos os boçais que tinham a morte como estandarte da poesia e do lirismo. Sentia a dor cruel do suicídio, o queimar da sua alma e do seu corpo, a constrição do ar e dos fluídos vitais em seu organismo. Tudo era a maior dor que poderia imaginar, tudo era muito pior do que pensara um dia. Com o negrume da morte e o leve toque da mão de Vica em seu rosto, Kimu desistiu do ar. Estava feito.
Ali estava Kimu; finado, com sua própria mão esquerda na face, sozinho em um quarto de hotel.

domingo, 3 de maio de 2020

Ich bin du.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Quem me espia por cima do ombro.

Escrevo aqui estes versos com voz indecifrável,
De temor insustentável
Tal como o soterrado se vê sob escombro,
é perceber que eu mesmo estou a ler sobre meu ombro.

Ai terror; sinistro e bizarro!
É bem de perto que sinto o meu faro
a farejar-me, bem junto ao meu pescoço.
Meta existência do eu que estava em calabouço
de meu pensar insano e tortuoso.

É de soslaio que me olho num ensaio
A ensaiar-me a espiar-me de soslaio
Eu, que escrevo, paraliso-me em medo
Eu, curioso, apenas leio em segredo.

N.M.

Multidão de seres sós.

Seres só.
Em meio a multidão de silêncio
de seres sós.

Seres sós
gritam mas não se escutam no silêncio
ao seres só.

É só a ti e a mim
que interessa a angústia, assim silencio
meu ser só.

E te ensino a arte e a leveza,
a prudência do silêncio inebriante de
sermos sós.

N.M.

Papel de liderança em tempos de crise.

Ser líder é atribuição que permite nortear liderados de forma produtiva, motivada e consciente, não somente em busca de resultados, mas também pela análise, reflexão e redesenho de processos já realizados. Qualquer atitude oposta, imperativa, arbitrária e pautada em ações unilaterais, alude à autoritarismo e totalitarismo, modelos estes inaceitáveis de gestões ultrapassadas.
É digno de reflexões menos superficiais, cadeias de ações a nível continental (Brasil) e, acima de tudo mundial, ações que seguem uma direção verticalizada, pelos próprios sujeitos das ações; ações pautadas em situações adversas que, amortecidas e refletidas por lideranças capazes, teriam impacto positivo em colaboradores, ao invés de opressão gratuita e demonstração de que não se sabe ao certo o que deve ser feito, "apenas faça algo para que a imagem decorativa de instituições engessadas por um sistema hierárquico arcaico e obsoleto sirva de estandarte de seriedade e dever cumprido". A crise pela qual passamos no momento não é apenas de saúde pública, é uma crise de ausência de direcionamento, gestão e liderança. É a crise do "siga o mestre, mas não questione; sou o dono da bola, brinca quem eu quiser". Vacas de presépio não se movem - nem para frente e nem para trás; para esse grupo tudo será mais do mesmo. Alguns outros grupos, pensantes, se incomodarão com os modelos autoritários ignóbeis que nos presenteiam com a máxima nas entrelinhas: "reflita, mas não tome nenhuma atitude contrária às ordens dadas." E assim segue o espetáculo no grande picadeiro, sempre com alguma piada que cubra reflexões difíceis de serem processadas. "Send in the clowns."

N.M.

terça-feira, 28 de agosto de 2018


Sempre menos.

Mesmo estando acordado há muito, a vibração do celular ao lado da cama, amarrotada pela insônia, despertou Kimu de seus devaneios desalentadores. “Feliz aniversário!” Dizia o nanotexto de felicitações enviadas por mais um alguém que compunha aquela estranha e fria tessitura de relações virtuais inexistentes no mundo tangível.
“É mais um ano de vida!” O estranhamento estalou de súbito na mente cansada, embaralhada e atordoada daquele jovem-mais-velho rapaz. “Essa lógica matemática nunca foi lógica de verdade.” Pensa Kimu, enquanto senta-se no leito mordaz de noites mal dormidas.
Aquele estranho filme cronológico sempre passa pela lente cognitiva dos aniversariantes, é sempre momento oportuno de balanços contábeis de acontecimentos que permeiam o caminhar dos seres pensantes. Quantas coisas boas, quantos sonhos realizados, quanto aprendizado!... Não para Kimu. Simplesmente não havia lógica a que se enaltecer em estar indo de encontro ao fim de tudo, quando se vive, se morre ao mesmo passo, a existência se apaga com as velas que se apaga nos bolos coloridos e adocicados postos às mesas familiares. Kimu celebraria sua vontade expressiva de não estar ali. O abandono e todas as suas experiências que se configuram dolorosas demais para serem dignas de celebração, todo o escárnio e maldade que transpassam corações e almas desavisadas da mesquinhez humana, toda a culpa ingloriosa de ações perdidas e atormentadas, arrependidas ao ponto de fazer a alma sangrar e a consciência gritar o mais assustador dos gritos de socorro. Não há quem ouça. Nunca houve, de fato. E não haverá.
“Parabéns!” Insiste mais um alguém que constitui toda aquela rede de relações enfraquecidas pela falta de verdade, de carinho e de cuidado; vale apenas o protocolo ali preenchido pela função fática da linguagem, apenas para estabelecer um vínculo que é tão frágil quanto os sentimentos desorientados daquele que a lê. O tempo se esvai enquanto o caminhar avança na vida de qualquer um; um dia a mais é um dia a menos de existência, um ano a mais é a aproximação do hálito da figura ceifadora dizimadora de almas inertes que nem sequer estavam atentas para a quantidade enorme de realizações que se perderam no medo da falta de controle, das amarras sociais sufocantes e dilacerantes que aprisionam a glória do combate em detrimento à segurança da vida pautada na comodidade.
“Você quer mesmo fazer isso?” pergunta a voz que vem de debaixo dos lençóis, pacificada pelo silêncio do quarto vazio de som e cores. Vica, a centelha que ainda traz um pouco de luz aos passos lúgubres de Kimu. A voz que o acalma e conforta.
“Sim, coração.” Responde isso com seus dedos trêmulos procurando o cartão do hotel que conseguira na tarde passada e com lágrimas que escorrem de seus olhos cansados pela insônia. “Será meu presente de aniversário.”  

terça-feira, 29 de maio de 2018

A vida num acorde diminuto


Olhos falam.

Olhos escutam.

Nos olhos residem momentos de uma vida toda.
Momentos que valem a vida toda.
Momentos profundos.
Momentos que revelam.
Profusão de momentos que não se calculam no tempo.

Momentos assim, suspensos e profundos
deliciosos e entorpecentes, são acordes diminutos;
Suspendem as expectativas em suspiros enaltecentes.

E se concretizam e acalmam
e fazem o sentido de uma longa espera.
O sol tímido do outono congelante,
e o beijo suave do acorde dominante.


Jadiel Tenro.