Sempre menos.
Mesmo
estando acordado há muito, a vibração do celular ao lado da cama, amarrotada
pela insônia, despertou Kimu de seus devaneios desalentadores. “Feliz
aniversário!” Dizia o nanotexto de felicitações enviadas por mais um alguém que
compunha aquela estranha e fria tessitura de relações virtuais inexistentes no
mundo tangível.
“É
mais um ano de vida!” O estranhamento estalou de súbito na mente cansada,
embaralhada e atordoada daquele jovem-mais-velho rapaz. “Essa lógica matemática
nunca foi lógica de verdade.” Pensa Kimu, enquanto senta-se no leito mordaz de
noites mal dormidas.
Aquele
estranho filme cronológico sempre passa pela lente cognitiva dos
aniversariantes, é sempre momento oportuno de balanços contábeis de
acontecimentos que permeiam o caminhar dos seres pensantes. Quantas coisas
boas, quantos sonhos realizados, quanto aprendizado!... Não para Kimu.
Simplesmente não havia lógica a que se enaltecer em estar indo de encontro ao
fim de tudo, quando se vive, se morre ao mesmo passo, a existência se apaga com
as velas que se apaga nos bolos coloridos e adocicados postos às mesas
familiares. Kimu celebraria sua vontade expressiva de não estar ali. O abandono
e todas as suas experiências que se configuram dolorosas demais para serem
dignas de celebração, todo o escárnio e maldade que transpassam corações e
almas desavisadas da mesquinhez humana, toda a culpa ingloriosa de ações perdidas
e atormentadas, arrependidas ao ponto de fazer a alma sangrar e a consciência
gritar o mais assustador dos gritos de socorro. Não há quem ouça. Nunca houve,
de fato. E não haverá.
“Parabéns!”
Insiste mais um alguém que constitui toda aquela rede de relações enfraquecidas
pela falta de verdade, de carinho e de cuidado; vale apenas o protocolo ali
preenchido pela função fática da linguagem, apenas para estabelecer um vínculo
que é tão frágil quanto os sentimentos desorientados daquele que a lê. O tempo
se esvai enquanto o caminhar avança na vida de qualquer um; um dia a mais é um
dia a menos de existência, um ano a mais é a aproximação do hálito da figura
ceifadora dizimadora de almas inertes que nem sequer estavam atentas para a
quantidade enorme de realizações que se perderam no medo da falta de controle,
das amarras sociais sufocantes e dilacerantes que aprisionam a glória do
combate em detrimento à segurança da vida pautada na comodidade.
“Você
quer mesmo fazer isso?” pergunta a voz que vem de debaixo dos lençóis,
pacificada pelo silêncio do quarto vazio de som e cores. Vica, a centelha que
ainda traz um pouco de luz aos passos lúgubres de Kimu. A voz que o acalma e
conforta.
“Sim,
coração.” Responde isso com seus dedos trêmulos procurando o cartão do hotel
que conseguira na tarde passada e com lágrimas que escorrem de seus olhos
cansados pela insônia. “Será meu presente de aniversário.”