Sobre Rachmaninov e sua ilha de mortos.
Transmuto. Construo no dia a coleção de meus conceitos, utilizo luz e sombra na concepção de quem sou. Utilizo o contraponto para minhas alternâncias e o ponto de fuga para delimitar os eixos cartesianos e, assim, desenhar a parábola que me concretiza.
Vem a noite e sopra todo o alicerce de minhas hipóteses de ser, tal como a criança que sopra seu castelo de cartas.
No escuro não enxergo os cacos multifacetados de minhas verdades; tateio, porém toco o silêncio de tudo o que não sou. Tateio e não mais vejo os sons e cheiros que fizeram-me crer serem os elementos fundamentais de mim. Tateio e não encontro a mim. Encontro o medo e este vem ao meu encontro; afaga meu ego, sorri para mim. Meu medo me toma, seus braços em mim. Me faz carícia, sussurra o silêncio, me acalma a vaidade e me faz quieto.
O medo fica, lado a lado comigo, mãos dadas como o casal de namorados no entardecer da pracinha.
O medo me tem e não tenho mais medo. Ensinou-me aonde ir e como chegar, ensinou-me a querer ir - fez simples demais o caminho temido, proibido, rejeitado. O medo tomou-me de assalto e me fez coragem. E esse antagonismo contundente e vibrante dissolve os tumores restantes das tormentas do meu existir; choro e rio, suspiro e gargalho, retraio e me imponho. A lança em riste pulsa a investida, o alvo em defesa reverencia a derrota.
O ataque alude a derrota do fraco e este se curva na certeza do golpe. O medo já é parte integrante, é óleo na tela, odor viciante.
...
A trama da noite tece a estrela da manhã que se funde ao sol preguiçoso dos primeiros raios tímidos na dissolução de toda a epopeia travada na noite.
Ergo-me para o dia.
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