Um dia a menos.Finalzinho de tarde cinza. Vou saindo do trabalho a pé, passos jogados como se chutasse a própria vontade de andar. Mão no bolso: tateio algo que me distraia, ensaio um assovio tímido de alguma música que invento ali mesmo naquela hora e que sei que vou esquecer dali a pouco. Eis rotinas e procedimentos de quem caminha, como eu, em finais de tarde tristes. Sempre temos aquela pontinha de melancolia que nos aflige lá dentro, às vezes até um pouco de tédio que a mudança da luz para as trevas provoca. É algo que dá certa desesperança Talvez isso ocorra pelo final do dia. Nas ruas os carros ligam timidamente seus faróis para mais uma vez nos lembrar do fim do dia.Ao passar pela costumeira padaria de finais de tardes cinzentas, lembro-me de entrar para comprar cigarros. Já no balcão, à espera de ser atendido, vem saudosamente o dono da “padoca” e diz:- Um dia a mais, hein?Sorri educadamente, mas aquilo não foi de graça. Dentro de mim a angústia começou a se revelar. Aquilo que o saudoso sujeito roliço acabara de falar, sem nenhuma pretensão de ofender ou indignar, para mim fazia tormento. O dia acabara de acabar, como poderia ser ele mais um? Ao contrário, era menos um! As horas passaram, as esperanças daquele dia ter sido melhor do que o anterior também passaram, as desilusões que poderiam ser desfeitas não foram. Como aquilo poderia adicionar algo? Como isso há de satisfazer-nos?Num rápido filme que passa uma estória lenta consegui enxergar aquela cena, na mesma padaria, eu e o senhor dos pães, e naquele mesmo momento responderia eu a ele:- Um dia a menos!A visão era tão clara como a de uma manhã que nos abre sua porta de ouro: Eu conseguira atingir o senhor, mesmo este estando protegido pelo balcão. Naquele momento o filme dele entrava em slow motion. Aos poucos, flashbacks vinham a sua memória; a casa, a família, a amante, a caxeta nas noites de sexta, o financiamento da casa. Para que serviria aquilo tudo se seu próprio tempo estava acabando a cada dia que passava? Tanto trabalho protegido pelo seu balcão não serviriam de nada no final das contas. Com que olhos veria os finais de tarde de pães frescos e de senhoras gentis. Tudo em nossa vida pode mudar drasticamente após alguém nos abrir a cortina da ignorância. Lentamente o pesado senhor tirou o palito dos dentes e num tom sério, quase célebre, tirou também o revólver da gaveta, por trás do balcão, e direcionou para sua cabeça calva. O estampido do tiro quebrou a monotonia da tarde naquele começo de noite agitada. A abreviação dos dias a menos se fizera notar.- Seu troco, parceiro. - Dizia o senhor do balcão, chamando minha atenção para a volta de meu devaneio.Eu nada disse. Apenas esbocei um sorriso tímido, quase dissimulado, e saí.
Trujillo Sonnel