sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Um dia a menos.



Finalzinho de tarde cinza. Vou saindo do trabalho a pé, passos jogados como se chutasse a própria vontade de andar. Mão no bolso: tateio algo que me distraia, ensaio um assovio tímido de alguma música que invento ali mesmo naquela hora e que sei que vou esquecer dali a pouco. Eis rotinas e procedimentos de quem caminha, como eu, em finais de tarde tristes. Sempre temos aquela pontinha de melancolia que nos aflige lá dentro, às vezes até um pouco de tédio que a mudança da luz para as trevas provoca. É algo que dá certa desesperança Talvez isso ocorra pelo final do dia. Nas ruas os carros ligam timidamente seus faróis para mais uma vez nos lembrar do fim do dia.
Ao passar pela costumeira padaria de finais de tardes cinzentas, lembro-me de entrar para comprar cigarros. Já no balcão, à espera de ser atendido, vem saudosamente o dono da “padoca” e diz:
- Um dia a mais, hein?
Sorri educadamente, mas aquilo não foi de graça. Dentro de mim a angústia começou a se revelar. Aquilo que o saudoso sujeito roliço acabara de falar, sem nenhuma pretensão de ofender ou indignar, para mim fazia tormento. O dia acabara de acabar, como poderia ser ele mais um? Ao contrário, era menos um! As horas passaram, as esperanças daquele dia ter sido melhor do que o anterior também passaram, as desilusões que poderiam ser desfeitas não foram. Como aquilo poderia adicionar algo? Como isso há de satisfazer-nos?
Num rápido filme que passa uma estória lenta consegui enxergar aquela cena, na mesma padaria, eu e o senhor dos pães, e naquele mesmo momento responderia eu a ele:
- Um dia a menos!
A visão era tão clara como a de uma manhã que nos abre sua porta de ouro: Eu conseguira atingir o senhor, mesmo este estando protegido pelo balcão. Naquele momento o filme dele entrava em slow motion. Aos poucos, flashbacks vinham a sua memória; a casa, a família, a amante, a caxeta nas noites de sexta, o financiamento da casa. Para que serviria aquilo tudo se seu próprio tempo estava acabando a cada dia que passava? Tanto trabalho protegido pelo seu balcão não serviriam de nada no final das contas. Com que olhos veria os finais de tarde de pães frescos e de senhoras gentis. Tudo em nossa vida pode mudar drasticamente após alguém nos abrir a cortina da ignorância. Lentamente o pesado senhor tirou o palito dos dentes e num tom sério, quase célebre, tirou também o revólver da gaveta, por trás do balcão, e direcionou para sua cabeça calva. O estampido do tiro quebrou a monotonia da tarde naquele começo de noite agitada. A abreviação dos dias a menos se fizera notar.
- Seu troco, parceiro. - Dizia o senhor do balcão, chamando minha atenção para a volta de meu devaneio.
Eu nada disse. Apenas esbocei um sorriso tímido, quase dissimulado, e saí.


Trujillo Sonnel

Duelo de EU

Olhei para trás quando saí, não havia nada senão eu mesmo; parado e esperando que o “eu” que saiu voltasse pro “eu” que ficou. Depois que saí também parei para esperar que o “eu” que ficou me acompanhasse. Mas o “eu” que ficou permaneceu parado, estático, esperando que eu voltasse.
Olhei para o “eu”. O “eu” olhou para mim.
Meio que desconfiado o “eu” que ficou olhava para tentar entender o que eu estava pensando. E eu lá, parado, inerte e confuso; não sabia qual era o meu verdadeiro eu; se era o que ia ou o que ficava.
Aquele era um certo momento de hipnose. Dois “eus” se olhando era hipnótico. Loucura. Então pude sentir como seria outro alguém olhar para mim, mas para qual eu será que olhavam? Para o que ia ou para o que ficava? E lá estava o meu “eu” que ficava. Agora olhava para mim com um certo brilho no olhar.
E eu lá parado, esperando.
Os dois “eus” parados já não iam e nem voltavam, simplesmente pararam e ficaram. Eu contemplando eu. Era como que se um dos dois desviasse o olhar o outro venceria essa peleja de ego. Mas aos poucos foram voltando daquele estado de inércia hipnótica e com um sorriso sem graça se despediram sem palavras, viraram-se e seguiram.
O “eu” que estava indo foi e o “eu” que iria ficar, ficou.
Não entendi muito esse duelo, nem tão pouco qual dos dois era eu mesmo, só me calei.



Autor: Trujillo Sonnel

Elementos da ficção literária e ruptura de paradigmas concernentes a práticas pedagógicas no filme “Sociedade dos Poetas Mortos”.

Além do aspecto sociológico que o filme aborda através de toda a problemática de caráter social e familiar peculiares aos anos 50, em instituições de ensino preparatório particulares dos Estados Unidos, o filme demonstra e exemplifica com riqueza, elementos constitutivos da ficção literária, bem como recursos alusivos inerentes a autores, suas obras e também a própria estrutura de composição usada pelos mesmos, bem como a ruptura com o modelo de ensino-aprendizagem utilizado no contexto do filme.
O novo professor de literatura do colégio propõe uma ruptura abrupta do paradigma de ensino tradicional e apresenta aos alunos uma abordagem pouco ortodoxa ao contexto em que os mesmos estão inseridos e acostumados; ele troca as aulas totalmente centradas no professor e faz com que os alunos se tornem críticos em relação a literatura e assim também a premissas importantes à vida. A máxima horaciana carpe diem faz alusão à necessidade que o professor identifica em libertar os alunos de parâmetros sociais que pouco ajudaria na formação de pensadores críticos.
A novidade, caractere de ficção literária, é encontrada aplicada ao próprio método de aula do professor. Quando os alunos são incentivados a subir na mesa e visualizar o que existe ao redor deles, o professor os incentiva a enxergar o novo dentro da linguagem literária.
A alusão ao autor Robert Frost se faz presente de maneira direta e indireta. Em uma das aulas, no pátio da escola, o professor cita para os alunos um trecho de seu poema “The Road Not Taken”, quando exemplifica para os mesmos sua teoria sobre o dilema da conformidade. Durante o filme, entretanto, nota-se a busca incessante dos alunos por quebrarem essa conformidade e a opção por “caminhos desconhecidos”, criando, dessa maneira, uma intertextualidade com o poema demonstrando a alusão de forma indireta no decorrer da trama.
Durante uma de suas aulas o professor pede aos alunos que rasguem e retirem toda a introdução de seu livro de poesia. Estava contida na introdução toda uma teria sobre criação literária e poética. Com este ato do professor, faz-se valer o caractere de estruturação da linguagem poética. Temos então, com a introdução, uma tentativa de se normatizar a criação poética de maneira lógica e coerente com normas lingüísticas. Em contrapartida quando o professor quebra esta regra de criação, entende-se que o filme faz outra alusão, desta vez concernente ao aspecto subjetivo da recepção poética e literária. O professor faz isso ao pedir que os alunos sintam a poesia ao invés de enquadrá-la de maneira supra pessoal.
Inerente a função da literatura, podemos também acrescentar que o filme remete a função catártica e pragmática da mesma. Esta porque provoca nos alunos uma ruptura com o modelo ideológico contextualizado e aquela porque purifica o espírito dos alunos e modifica sua visão de mundo.
Conclui-se que tanto para a função de quebra dos paradigmas de ensino, quanto para a exemplificação de elementos compositores da teria da literatura o filme carrega consigo riqueza de modelos e exemplos que podem ser aplicados de maneira instrucional e catártica em situações concernentes à sala de aula.

sábado, 22 de agosto de 2009

The Road Not Taken

...
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I -
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.